A digitalização da transmissão da televisão aberta e terrestre no Brasil irá completar 12 anos em dezembro. A primeira fase de implantação do sinal digital terminou em janeiro de 2019, com cerca de 1.400 municípios atendidos, incluindo todas as capitais e respectivas regiões metropolitanas, assim como os municípios do interior de São Paulo e Rio de Janeiro e cidades grandes do interior do país, atendendo a 130 milhões de pessoas, aproximadamente 62% da população brasileira.
O lado da recepção do sinal digital teve muitos avanços neste período. Em 2017, segundo a PNAD contínua do IBGE, 79,8% dos domicílios brasileiros que possuíam aparelho de TV tinham conversor para o sinal digital, mesmo que não o sinal não fosse captado. Por outro lado, apenas 6,2% destes municípios não tinham conversor digital, nem antena parabólica e nem TV por assinatura, ficando sem acesso a TV, por ocasião do desligamento do sinal analógico.
Resta agora atingir os demais 4.200 municípios até o prazo final de desligamento do sinal analógico, em dezembro de 2023. Trata-se de um esforço proporcionalmente maior, pois mais estações de transmissão deverão ser convertidas, para levar o sinal digital a uma população menor. Esta última etapa ocorre em um período de crise econômica, na qual as emissoras contam com menos recursos financeiros e equipes mais enxutas, e deverá ser completada até dezembro de 2023, que é a data final para a completa digitalização do sinal de TV.
Fonte de financiamento
A digitalização das transmissões e desligamento do sinal analógico da TV aberta é um processo relacionado com a implantação do 4G LTE na subfaixa de 700 MHz, o qual é importante para melhorar e ampliar a oferta dos serviços de banda móvel com investimentos menores em infraestrutura. Para a disponibilização da frequência dos 700 MHz é necessária a limpeza do espectro e o remanejamento dos canais presentes nesta subfaixa.
Para coordenar este processo, foi constituído o Grupo de Implantação do Processo de Redistribuição e Digitalização de Canais de TV e RTV (Gired), o qual é presidido por um Conselheiro Diretor da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e conta com representantes do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, das empresas de telecomunicações que adquiriram lotes no leilão da subfaixa dos 700 MHZ e dos radiodifusores. O Gired constituiu a EAD – Entidade Administradora do Processo de Redistribuição e Digitalização de Canais de TV e RTV (EAD), a qual é responsável pela operacionalização do processo de transição.
O edital do leilão da subfaixa dos 700 MHz previa que 3,6 bilhões de reais deveriam ser destinados à limpeza do espectro, à divulgação do desligamento do sinal analógico e à distribuição de kits de conversores e antenas UHF para as famílias de baixa renda na primeira fase do processo de digitalização. Segundo William Zambelli, Assessor da Superintendência de Outorga da Anatel, os recursos do leilão foram aplicados e, além disto, foi feito o possível para economizar, através de compras em larga escala e da contratação de ONGs para distribuir os kits e recolher material de descarte (televisões analógicas, por exemplo). Foram realizadas parcerias com o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) para instalação dos kits e as emissoras anunciaram o desligamento do sinal analógico voluntariamente.
Houve economia também no ressarcimento dos canais de televisão que operavam no espectro dos 700 MHz. Dos 1.054 canais que teriam direito em tese, apenas 381 eram de fato elegíveis, por estarem de fato atuando no espectro. Como resultado, a Seja Digital (administrada pela EAD) está estimando a sobra de 1,2 bilhão de reais.
William Zambelli explica que o item 14 do edital previa que as sobras destes recursos poderiam ser destinadas aos serviços de telecomunicações, como a banda larga, por exemplo, ou para serviços de radiodifusão. O MCTIC está utilizando parte destes recursos em um projeto de banda larga para a Amazônia (Projeto Amazônia Conectada) e quer destinar parte dos recursos no projeto de digitalização dos municípios pequenos e/ou de localização remota, constituem o chamado Brasil profundo.
Uso do dinheiro
As entidades da radiodifusão Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), Abratel (Associação Brasileira de Rádio e Televisão) e Astral (Associação Brasileira de Televisões e Rádios Legislativas) apresentaram um projeto ao Gired para a utilização dos recursos do saldo remanescente na digitalização dos municípios com até 50 mil habitantes, que já possuam pelo menos uma estação de televisão analógica e não tenham nenhuma estação digital.
O projeto prevê o compartilhamento da infraestrutura, para até seis canais (pois a maioria destas cidades tem menos canais que isto). A infraestrutura será responsabilidade das prefeituras, sendo que as emissoras interessadas deverão se cadastrar nestas prefeituras para transmitir o sinal.
Parte dos recursos irão para a compra de conversores para as famílias de baixa renda destes municípios contemplados. “Não podemos dar cobertura, se não tiver recepção. Mas, também não podemos dar recepção, se não tiver cobertura. Estamos trabalhando para ter os dois.”, afirma Zambelli.
São 1668 municípios que se encaixam nesta proposta. Estuda-se a inclusão de 33 municípios acima de 50 mil habitantes, que não possuem nenhuma TV digital, mas possuem ao menos uma TV analógica.
O projeto ainda está em fase de discussão no Gired e aguarda uma portaria do MCTIC para a liberação da utilização dos recursos remanescentes, para que o projeto seja apresentado à Procuradoria para aprovação. Os representantes da Anatel acreditam que isto possa ocorrer até o final deste ano.
Debate setorial
Especialistas de diversas emissoras se reuniram em agosto de 2019 no Congresso SET, para discutir a digitalização do Brasil profundo e compartilhar cases de sucesso, como a digitalização do município de Siqueira Campos no Paraná e Espumoso, no Rio Grande do Sul. Como destacou a moderadora Valderez Donzelli, do Conselho Deliberativo da SET (Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão), o mercado tem visto o compartilhamento da infraestrutura como a única solução para levar a TV Digital até estas regiões. Mas, surgem as questões sobre qual o modelo de infraestrutura e a forma de compartilhamento adequados.
Camilla Cintra, Supervisora de Projetos de Transmissão da TV Globo, destacou a importância da parceria entre as emissoras e a indústria para levar a TV digital ao Brasil profundo. Segundo ela, a viabilidade econômica destes processos está sendo obtida através do apoio destes fornecedores de equipamentos e também das prefeituras.
Os fornecedores estão oferecendo tecnologias mais baratas e bastante agilidade no atendimento, o que está ajudando muito as emissoras. As emissoras estão enfrentando o desafio de digitalizar mais estações em menos tempo e, atualmente, estão conseguindo realizar a transição para o sinal digital em menos de dois meses.
Camilla também destacou a importância da parceria com as prefeituras, como foi o caso de Tiradentes, em Minas Gerais. Há receios por parte das prefeituras em participar da digitalização, cedendo o terreno para a instalação da antena, por exemplo, por causa da Lei da Responsabilidade Fiscal. Entretanto, trata-se de recurso destinado ao desenvolvimento da cidade. Além disto, as torres das prefeituras estão em péssimo estado, de forma geral. Ocorre também que muitas vezes as prefeituras não se interessam pela televisão digital, mas a população poderá cobrar isto no futuro, se perder o acesso à televisão.
Os participantes do painel realizado no Congresso SET EXPO 2019 ressaltaram a importância social da televisão aberta, por oferecer conteúdo gratuito e de qualidade, e ser a principal fonte de informação, cultura e entretenimento em muitas localidades. Destacaram também a necessidade de ocupar este espaço, antes que outros concorrentes o ocupem. Nestes locais, até mesmo a telefonia digital tem dificuldade de chegar, portanto trata-se de uma questão de exclusão digital e de acesso à informação. Concluíram que a concorrência deve ser através da programação; a engenharia das emissoras devem se unir, para não deixar a televisão aberta acabar (como é hoje, com cobertura nacional e gratuita). Foi ressaltado que “TV fora do ar é dinheiro que deixou de entrar no caixa.”
O compartilhamento só deu certo por causa do Fórum SBTVD e, a partir de agora, será necessário um impulsionamento regional, direcionado por grupos pequenos das emissoras locais, afirma Camilla Cintra.
Compartilhamento
Em entrevista exclusiva para o portal VID VOX, Camilla Cintra, que é também membro da Abert e da SET, afirmou que o que irá viabilizar a digitalização do Brasil profundo será a “mudança de mentalidade das emissoras, que precisam se conscientizar que esta expansão só será possível se houver compartilhamento de infraestrutura entre as redes.” Ela destaca que é possível obter uma redução de até 80% em relação ao modelo tradicional, por isto espera um cenário mais colaborativo entre as emissoras. Ela também destaca que “uma importante decisão política precisa ser tomada em curto prazo” sobre o uso do saldo dos recursos destinados a entrada de 4G na faixa de 700 MHz destinada à radiodifusão.